domingo, 8 de maio de 2016

Adaptações literárias



  Quem não já ouviu o dizer "o filme é bom, mas o livro é mil vezes melhor!"? Bem, eu vou dar algumas razões para você acreditar que essa afirmação não pode estar correta. Para começar, literatura e cinema são formas de artes diferentes, e uma não é superior à outra. Segundo, é preciso pensar nos desafios de se adaptar um livro para o cinema, o que significa condensar as várias páginas de um livro em um roteiro que não vai poder ter muitas páginas e tornar aquela narração um produto imagético. O que o livro quer dizer terá que ser posto em imagens, então aquelas descrições, aquela ironia, aqueles pensamentos dos personagens devem ficar, de alguma forma, visíveis na tela, sem o recurso das palavras (com exceção das falas, obviamente) para deixar o que está acontecendo na história claro. Além do mais, sem estar escrito, os sentimentos dos personagens e o tom da narrativa fica muito mais difícil de ser representado, o que também é influenciado pela interpretação individual que se tem da obra literária, que pode não ser a mesma para todo leitor.



  Outra coisa importante de se entender é que, quando uma adaptação de um livro é proposta, não significa que o filme está fazendo um serviço ao livro e seja proibido se diferenciar do romance literário de qualquer forma, quando a intenção de quem faz o filme é tentar reproduzir as sensações causadas pelo livro com a maior fidelidade, também não tem problema, mas o cinema, assim como a literatura, também pode ser uma obra autoral, então quando alguém como Stanley Kubrick ou David Fincher vão adaptar um livro, eles vão dar as suas próprias marcas, porque são diretores que têm um estilo próprio. Quando eu vou assistir um filme de Kubrick, Fincher, Scorsese ou Hitchcock, eu quero ver o que eles tem a me apresentar e não o que o escritor do livro em que o filme se baseou tem, se eu quisesse isso, eu leria o livro. Mais uma diferença entre o fazer literário e o fazer cinematográfico a se apontar é que quando um filme está sendo feito, não se recorre ao roteiro o tempo inteiro, alguns diretores, após entenderem o geral da história, jogam o roteiro fora e fazem o que querem, não conservando nem as falas dos atores, também tem filme que é feito sem roteiro algum, porque no cinema, roteiro é base e não algo a ser seguido à risca, a preocupação é como colocar os atores para representar a trama. 



  Algumas obras muito famosas do cinema são adaptações de livro e nem são lembradas como tal, "Laranja Mecânica" é a adaptação de um livro, assim como "Os Bons Companheiros" de Scorsese, "Trainspotting" de Danny Boyle, vários filmes de Hitchcock, que sempre são lembrados como grandes obras do cinema por si próprias como "Rebecca", "Psicose" e "Os Pássaros", e também os diretores da Nouvelle Vague, movimento do cinema francês conhecido pela originalidade e revolução na narrativa cinematográfica, fizeram filmes baseados em livros, como "Jules e Jim" de Truffaut e "O Desprezo" de Godard, filmes com características completamente autorais de seus diretores. E se você estiver pensando naquele filme que foi baseado em um livro e não teve naaaada da história do romance e achou que foi uma sacanagem, na verdade, não foi, pois quem produz o filme não faz esse compromisso de colocar exatamente o que está no livro na tela quando compra os direitos do autor, às vezes, um filme se baseia em um livro de forma bem solta, sem compromisso algum. Outro exemplo importante são os casos em que as mudanças em relação a obra literária se tornam uma necessidade, como nos filmes do universo cinematográfico da Marvel, que fazem alterações em relação aos quadrinhos para ter coerência no seu conjunto de filmes ou por não ter os direitos de algum personagem (alguns personagens dos quadrinhos da Marvel são de posse de outros estúdios). O importante é que os filmes são independentes dos livros e o devem ser, eles devem ter vida própria e liberdade para serem feitos como os profissionais do cinema quiserem. Uma fala que poderia resumir todo o dilema livro x filme é a que uma professora de inglês que eu tive me disse quando eu a perguntei sobre como era o livro de "Laranja Mecânica" em comparação ao filme, ela respondeu que não eram muito parecido, pois o filme e o livro são "ambos bons, mas de formas diferentes".