segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Histórias de crime: Mindhunter e Meu Amigo Dahmer

Aviso: conteúdo forte na forma de menção a atos violentos.


  Existe uma coincidência muito interessante que pode acontecer em meio ao mundo de informações que nos é bombardeado- consumir dois conteúdos que se comunicam perfeitamente sem ter buscado tal efeito. Foi o que aconteceu comigo quando eu comecei a ler a HQ "Meu Amigo Dahmer" logo após ter terminado de assistir "Mindhunter". Eu preciso admitir antes de tudo que sou uma grande fã de histórias de crimes- o que eu pude explorar muito recentemente devido a várias descobertas pessoais e lançamento deste ano-. 
  "Mindhunter", série produzida por David Fincher e lançado na Netflix em outubro, é a mais popular destas duas produções; e a primeira das duas obras que eu vi. A série, uma das mais elogiadas entre as originais da Netflix tira inspiração do livro homônimo de John Douglas e Mark Olshaker e acompanha o trabalho de dois agentes do FBI e uma professora de psicologia traçando o perfil de vários psicopatas condenados; a história é verdadeira e os personagens são inspirados nas pessoas reais que desenvolveram esse trabalho. 


  O que se vê na série é uma resistência muito grande ao trabalho desenvolvido pelos personagens; a época é o final dos anos 70, o FBI não vê a utilidade dessa linha de estudo e a população só quer distância dos assassinos que os chocaram com crimes sem sentido; não muito antes dos eventos da série, os assassinatos de Sharon Tate e do casal LaBianca pela Família Manson- liderada pelo recém falecido Charles Manson- aconteceram, marcando a memória recente da sociedade na época, como apresentado por meio de muitos personagens na série. A expressão assassino em série nem existia até então, ninguém entendia esses criminosos ou queria entender. A frase de efeito jogada pelo personagem Bill Tench que leva o projeto adiante é "Como nós ficamos a frente dos loucos se não sabemos como os loucos pensam?"
  Nos mesmos estranhos anos 70 em que a história contada em Mindhunter acontece, a história de "Meu Amigo Dahmer" também se desenrola. Derf Backderf, autor da HQ, descreve a adolescência de Jeffrey Dahmer quando ambos frequentavam o ensino médio juntos. Dahmer ficou conhecido anos mais tarde como um dos mais cruéis assassinos em série que já existiu, pela quantidade de vítimas- ao menos 17- e a forma como as matou e manejou seus corpos, incluindo estupro, necrofilia, canibalismo e a desmembração e conservação de partes dos corpos de suas vítimas. A história que Backderf conta, no entanto, não retrata nenhum desses horrores, mas um jovem que apresentava um comportamento perturbador ignorado por todos.  O quadrinista conta com histórias de sua lembrança e da de amigos que também conheceram Dahmer, além de informações dadas pelo próprio assassino em entrevistas na época de sua prisão e condenação. 


  "É uma história de fracassos (...) Todo mundo fracassa: os pais dele, os professores, a direção da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff." Descreve Backderf, que teve a ideia para o seu livro após a morte de Dahmer, assassinado na prisão, em 1994. O questionamento trazido pelo livro é da negligência a um adolescente que demonstrava problemas com alcoolismo, tinha um pai ausente e uma mãe depressiva, mas não recebeu nenhum apoio, ninguém observou como ele estava indo na direção errada. Backderf e seus amigos acolherem Dahmer por algum tempo no grupo deles e o autor notou mais tarde, fazendo entrevistas para o livro, que ninguém mais falava com ele, e então aquele grupo de amigos que o acolheu foi uma das únicas interações sociais que ele teve.
  A semelhança entre "Mindhunter" e "Meu Amigo Dahmer" pode parece óbvia, mas ambas as obras não se tratam apenas do fruto de uma curiosidade mórbida, mas de um olhar que poucas pessoas tiveram de tentar entender como um assassino em série perverso surge, como uma pessoa deixa de ser alguém normal e se torna capaz de cometer atos tão horríveis? "Continuo sem saber o motivo que o levou a se tornar essa criatura, mas documentei o processo", admitiu Backderf. 
  O contexto na vida desses assassinos, para muitos, não é o suficiente para justificas as suas ações- como aparece em "Mindhunter"- e os questionamentos, "e se?", sobre o que poderia ter sido feito diferente em relação a essas pessoas também não parece satisfazer quem investiga as mentes de psicopatas - como fica claro em "Meu Amigo Dahmer"- mas a psicologia forense e o cuidado em observar os adolescentes em fase de desenvolvimento nos propõem que mesmo esses "monstros" poderiam ser entendidos ou  até mesmo ganhado, com a ajuda certa, outro destino- um que não acabaria com a sua vida e de várias outras pessoas. 




                         

Outra coisa! "Meu Amigo Dahmer" virou filme esse ano, ele chegou às salas de cinemas americanas no dia 3 de novembro e não tem data de estreia no Brasil ainda; trailer abaixo:




   

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Dançando até o topo (Parte 2)


  No último texto, eu comecei a falar sobre atores que se destacaram pela dança antes de atuarem em filmes; todos os mencionados- Joan Crawford, Ginger Rogers, Rita Hayworth, Fred Astaire e Gene Kelly- se destacaram em Hollywood na época do sistema de estúdios, quando os atores trabalhavam exclusivamente para um estúdio e tinham suas imagens controladas por eles. Em todas as histórias, as futuras estrelas conseguiram atrair a atenção de produtores e assinar um contrato com algum estúdio. Nesta segunda parte, os atores/dançarinos se destacaram quando os estúdios tinham menos influência, ou seja, de outras formas. 

Mikhail Baryshnikov


  Mikhail Baryshnikov é uma das maiores estrelas do ballet do século XX, tendo trabalhado por décadas nas mais renomadas companhias de dança como bailarino e diretor artístico. Mas aos poucos, o bailarino letão foi construindo uma obra como ator de cinema, TV e teatro. Não é difícil dizer que Baryshnikov conseguiu suas primeiras oportunidades no cinema devido ao enorme sucesso que já fazia como bailarino no final da década de 70. É claro que, a princípio, as pessoas queriam que ele dançasse nos filmes ou interpretasse dançarinos, às vezes tirando inspiração da dramática história real de Baryshnikov- tendo desertado da União Soviética como muitos outros bailarinos da época, história do personagem que interpreta em "O Sol da Meia Noite", um dos seus filmes mais conhecidos. Os menos familiarizados com a fama do bailarino clássico ainda podem reconhecê-lo como um dos namorados de Carrie Bradshaw, personagem da Sarah Jessica Parker em "Sex and the City". Seu primeiro papel no cinema foi interpretando um bailarino conquistador em "Momento de decisão"(1977), que já lhe rendeu uma indicação ao Oscar. O reconhecimento imediato pelo seu talento como ator também aconteceu no teatro, onde Misha- como é apelidado- trabalha frequentemente com peças vanguardistas e recebeu uma indicação ao Tony pela sua estréia na Broadway no papel principal de "A Metamorfose", de Kafka. Ele ainda teve a oportunidade de trabalhar em adaptações de dramaturgos clássicos como Anton Tchekov e Samuel Beckett. Nos últimos anos, Misha esteve no palco com Willem Dafoe na peçã "The Old Woman", que passou no Brasil em turnê.


Patrick Swayze



  Patrick Swayze nasceu filho de uma mãe dançarina e professora de dança, logo, nada mais natural do que ter sido iniciado na dança ainda criança. Após ter passado pelo ballet, Swayze também estudou patinação artística, lutas marciais como Wushu, Taekwondo e Aikidô e atuação. Porém, seu foco e seu objetivo eram uma carreira como dançarino, até uma lesão no joelho impedir esta expectativa, mas o jovem Swayze era habilidoso o suficiente para ter mais opções. Ele ainda conseguiu concluir seus estudos em dança em Nova York, onde começou a aparecer na Broadway, o que o levou a papéis no cinema. A dança ainda não tinha ficado no seu passado, já que como ator, Swayze ganharia fama interpretando um instrutor de dança em "Dirty Dancing"(1987), filme que tem fãs até hoje. Swayze fez sua carreira unindo as duas atividades que ele dominava muito bem- dança e atuação; logo após "Dirty Dancing", veio "Ghost- Do outro lado da vida"(1990), outro filme de enorme popularidade do ator que atravessou décadas encantando novos fãs e não contou com os passos de dança do ator. Conquistando personagens interpretadas por Jennifer Grey e Demi Moore no cinema, o apelo sexual de Swayze- também associado ao seu ritmo em vários estilos de dança- atraiu atenção, fazendo o ator se eleito o homem mais sexy do mundo pela revista People em 1991- no auge da sua popularidade. Naquele mesmo ano, Swayze tinha adicionado mais um hit de público na sua carreira com "Caçadores de Emoção", ao lado de Keanu Reeves e sob direção de Kathryn Bigelow. O ator ainda teve papéis marcantes em filmes como "Donnie Darko" e voltou a interpretar um dançarino no filme dirigido pela sua esposa, "A Última Dança", até nos deixar cedo demais em 2009, aos 57 anos, vítima de um câncer pancreático. Contrariando o fim da sua vida e carreira, Patrick Swayze continua encantando fãs do cinema seja pelas suas habilidades na dança ou nas artes dramáticas nos seus filmes tão adorados, que nunca são esquecidos.



Madhuri Dixit



  Não é incomum que os atores de Bollywood- a muito lucrativa indústria cinematográfica indiana- tenham treinamento em dança e canto, afinal, muitas produções do país são musicais. Madhuri Dixit, uma consagrada estrela de Bollywood, marcou os expectadores do cinema hindi com os seus movimentos impressionantes. A relação de Madhuri com a dança começou muito cedo, aos 3 anos ela já sonhava em dançar, começando a praticar a forma de dança clássica indiana Kathak, na qual ela posteriormente se profissionalizou. Com seu impressionante talento e beleza, Madhuri conseguiu estrear no cinema ainda bastante jovem no filme "Abodh" (1984), apesar de não visar uma carreira como atriz na época. O filme não fez sucesso, apesar da participação de Madhuri, ter se destacado e a jovem atriz ainda teria que esperar alguns anos até ver seus filmes conquistarem o público. Em "Tezaab"(1988), a atriz/dançarina alcança o estrelato, começando a sua bem-sucedida carreira no cinema, Madhuri foi se tornando progressivamente mais popular ao ponto de ser a atriz indiana mais bem paga no ano 2000. Seus papéis em "Khalnayak", "Anjaam", "Hum Aapke Hain Koun..!"- o qual obteve durante sete anos o recorde de filme de maior bilheteria do cinema hindi- "Raja", "Devdas" e em vários outros filmes de sucesso na sua carreira que já se estende por três décadas provam que o talento de Madhuri marcou o cinema. 



Sergei Polunin


  Com um talento que lhe rendeu comparações a  Rudolf Nureyev, o bailarino e ator aspirante ucraniano Sergei Polunin já começa a fazer um nome que vai além de sua fama no mundo do ballet clássico. Polunin foi o bailarino mais jovem da história do Royal Ballet, de Londres, a alcançar o posto de primeiro bailarino- com apenas 19 anos. Em 2012, ele surpreendeu o mundo se demitindo da companhia, ganhou fama de bad boy, de "enfant terrible", ele queria mais possibilidades do que a tradicional companhia de seu país de adoção podia dar. Continuou dançando, apesar de dizer que queria parar em um futuro próximo, e mostrou suas ambições que o mundo não pôde compreender antes, iniciando vários projetos por conta própria e mantendo a atenção da mídia- boa ou ruim- em seus trabalhos. Começou a conquistar outros meios além com a palco na internet, com uma coreografia para a música "Take me to church" de Hozier que o levou ao programa da Ellen DeGeneres e o apresentou a um novo público. O pontapé de sua carreira cinematográfica está para acontecer, com a nova adaptação de "Assassinato no Expresso Oriente" de Agatha Christie, onde Polunin conseguiu se infiltrar em um elenco estreladíssimo- Judi Dench, Penélope Cruz, Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Willem Dafoe- sob a direção do consagrado ator e diretor Kenneth Branagh. Os projetos futuros de Polunin são igualmente esperados: uma dramatização da deserção de Rudolf Nureyev e papéis menores em "Operação Red Sparrow", com Jennifer Lawrence, e uma nova adaptação da Disney de "O Quebra Nozes" com Keira Knightley e Morgan Freeman no elenco. Seguindo os passos de Baryshnikov, Polunin conseguiu entrar na indústria cinematográfica, onde suas habilidades estão para serem provadas.


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Dançando até o topo (Parte 1)



 Na chamada Era de Ouro de Hollywood muitos musicais eram feitos e mesmo nos filmes que não fossem musicais, um número de dança não era estranho. Assim, muitas estrelas de cinema conseguiram se destacar no showbiz pelas suas habilidades como dançarinos. Mesmo após o enfraquecimento dos estúdios e uma quantidade consideravelmente menor de musicais sendo feitos, muitos atores dão seus primeiros passos para uma carreira no cinema pela dança.

Joan Crawford


  Joan, nascida com o nome de Lucille LeSueur, foi descoberta por um produtor em Detroit onde ela se apresentava na década de 20 e ele a colocou no grupo de dançarinas do seu show na Broadway. Pouco tempo depois, a atriz e dançarina fez um teste com um produtor de Hollywood e assinou o seu primeiro contrato com a MGM. Após seus primeiros filmes, ouviu a recomendação que deveria mudar de nome, seu nome parecia "inventado", apesar de ser seu nome verdadeiro (ela ainda chegou a ser creditada pelo seu nome de nascença em suas primeiras aparições em filmes). Frustrada com os papéis pequenos que era dada, Joan começou a se expor em Hollywood visando se promover, e suas habilidades como dançarina foram o que atraiu atenção mais uma vez- ela participou e ganhou muitas competições de dança da noite hollywoodiana. Ela alcançou o seu objetivo e conseguiu papéis de maior destaque nas produções seguintes em que participou; nesses filmes, Joan passou a encorporar a "flapper"- como eram chamadas as garotas da década de 20 que viviam de forma não convencional, vestindo roupas curtas e saindo para beber e dançar- estilo de vida que se destacava junto com a ascensão do jazz, e no caso de Joan, assim como no de Clara Bow e de outras atrizes da época, isso lhe trouxe muita popularidade, principalmente entre o público feminino. Esse tipo de personagem deu a Joan a oportunidade de aparecer em muitos números de dança nos seus primeiros filmes de sucesso. Joan não continuaria dançando muito durante em seus filmes, a sua carreira evoluiu para um caminho mais "sério", ela se tornou um sex symbol e depois uma atriz respeitada, mas este ícone do cinema deu seus primeiros passos em Hollywood pela dança.



Ginger Rogers


  "Minha mãe me disse que eu dançava antes de nascer. Ela sentia os meus dedos dos pés sapateando intensamente dentro dela por meses." Romantizou Virginia McMath, ou como você talvez a conheça, Ginger Rogers. A atriz começou a dançar e cantar muito jovem e entrou na cena do vaudeville (gênero teatral com muita música e dança) ainda adolescente. Enquanto fazia turnê com o seu número de vaudeville, Ginger começou a conseguir trabalhos em Nova York, o que a levou à Broadway- fazendo sua estréia no Natal de 1929 com o musical "Top Speed". Apenas algumas semanas depois da sua estréia, Ginger entrou no elenco do musical "Girl Crazy" de George Gershwin e Ira Gershwin; com esse segundo trabalho no teatro musical, ela ganhou fama na Broadway aos 19 anos de idade. Nos anos seguintes, Ginger começou a aparecer em filmes e em 1933 fez seu primeiro filme musical com Fred Astaire, inaugurando uma parceria que iria durar pelo resto década e resultar em filmes de grande popularidade.  "Fred e Ginger" tinham números de dança complicados e cheios de elegância, cantando canções originais feitos pelos compositores mais populares da época em um mundo de glamour e sonho criado nos filmes para um público americano que passava pela Grande Depressão- começada em 1929 e se alastrando pelá década de 30. Fred Astaire teve outras parceiras de dança em seus filmes, principalmente após Ginger ter começado  a focar em filmes de  drama e comédias, mas a sua parceria com Ginger continua sendo a mais famosa, também tendo sido considerada pelo próprio Astaire como sua parceira predileta. Sobre os dois, a atriz disse: "Eu faço tudo que o homem faz, só que para trás e de salto alto!" Com o reconhecimento que Astaire tem hoje, Ginger pode parecer meio delirante dizendo isso, mas na verdade, ela nunca ganhou o devido reconhecimento pelo trabalho que fez nos musicais com o famoso dançarino. Ela tinha que acompanhar as coreografias de Astaire sendo bem menos experiente, dançar com salto- que era a norma- e vestindo vestidos longos e pesados feitos para ficarem bonitos na tela, e não para dança profissional. Ginger Rogers não apenas ganhou espaço pela dança, mas fez uma de suas grandes marcas no cinema com ela.





Rita Hayworth


  Rita Hayworth é mais lembrada hoje como Gilda no filme noir de mesmo nome, muito também devido à referência a esse papel em "Um Sonho de Liberdade" (1994). Mas ela também foi uma das parceiras mais sublimes de Fred Astaire em filmes musicais, graças a sua extensa experiência com dança anterior à sua carreira no cinema. O pai de Rita, Eduardo Cansino, era um coreógrafo espanhol, e a atriz começa a ter aulas de dança aos três anos de idade, começou a se apresentar em público aos seis anos e virou parceira de dança do seu pai em apresentações em cassinos aos 12 anos. Foi vista dançando com o seu pai por um produtor de Hollywood e conseguiu um contrato com a Fox, suas primeiras aparições em filmes: dançando ou interpretando dançarinas. Depois vieram pequenos papéis com falas e os produtores do estúdio ganharam interesse em torná-la uma estrela, apagaram os seus traços hispânicos- que a deixava apenas os papéis de personagens "exóticas"- mudando o seu nome de Rita Cansino para Rita Hayworth e pintando seu cabelo moreno de vermelho escuro. Assim é conhecida hoje a atriz das femme fatales dos filmes noir que nasceu com o nome Margarita Carmen Cansino e dançava o bolero. 



Fred Astaire


  Falar de dança no cinema é quase o mesmo que falar em Fred Astaire, o mais famoso e produtivo dançarino das telonas era acima de tudo isso- um dançarino- mais do que um ator ou cantor. Fred começou a ter aulas de dança ainda criança- contra a sua vontade- devido à ambição de sua mãe de tornar ele e sua irmã estrelas do vaudeville (onde números com irmãos eram populares). Fred e sua irmã, Adele, conseguiram sucesso ainda crianças e continuaram dançando juntos até a vida adulta, aparecendo em produções na Broadway e em Londres. Quando a irmã Astaire se casa, Fred fica sem parceira, o que teve um grande impacto nele; assim, ele passa a expandir seus horizontes e a fazer testes para os estúdios de Hollywood após muitos anos de carreira no palco e de ter até sido considerado o melhor sapateador do mundo.  Talvez pela sua aparência, por não ser muito jovem ou por não ter grandes habilidades com atuação, Fred não conquistou os produtores de Hollywood imediatamente, mas o seu talento com a dança provou um charme que depois foi reconhecido como irresistível para as câmeras e em 1933 ele teve sua estréia no cinema em "O Turbilhão da Dança ", com Joan Crawford. Naquele mesmo ano, ele aparece com Ginger Rogers em "Voando para o Rio"- o início da parceria Rogers-Astaire. Após os filmes com Ginger durante a década de 30 que se tornaram os mais lucrativos do estúdio RKO até então, alguns fracassos ou sucessos mais tímidos- que não cobriam os custos de produção- fizeram Fred abandonar o estúdio que lançou sua carreira cinematográfica e começar a trabalhar como freelance, o que também foi o fim de sua parceria Rogers (que teve uma volta na produção da MGM "Ciúme, sinal de amor" em 1949, o único filme em cores estrelado pela dupla). O que seguiu à decisão de Astaire foi duas décadas de muitos filmes onde o ator e dançarino impressionava o público com o seu talento e classe. Nas décadas de 60 e 70, Fred começa a aparecer em filmes e programas de TV em que não dançava e chegou a ser indicado a um Oscar em 1974 por "Inferno na Torre". Fred morreu em 1987, aos 88 anos, Gene Kelly, Michael Jackson, George Balanchine, Jerome Robbins (que coreografou um ballet em sua homenagem), Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov e Madhuri Dixit são alguns nomes que nomearam Astaire como fonte de inspiração. Hoje você pode se deleitar com horas e horas de dança de Fred Astaire em seus filmes e em vídeos na internet.



Fred e sua irmã, Adele, em 1906, quando ela tinha dez anos e ele, seis.

Gene Kelly


  Gene Kelly, com certeza, não se imaginava como um ator de cinema quando era mais jovem; ele começou a dançar na adolescência e continuou quando entrou na universidade para estudar jornalismo, depois mudando para economia e direito, até perceber que a dança- que lhe dava uma renda extra- era o que queria fazer. Kelly ensinava dança e conseguiu abrir uma acadêmia de dança junto de sua família. Desencantado com o ensino e buscando oportunidades como coreógrafo, Kelly se mudou para Nova York. Ele não encontrou sucesso de imediato, ainda tendo que voltar para a sua Pittsburgh natal antes de se destacar na Broadway coreografando e se apresentando; ofertas de Hollywood vieram e o dançarino/coreógrafo, apesar de hesitante em deixar Nova York, assinou um contrato com o produtor David O. Selznick, que logo depois o vendeu para a MGM. Ele estreou em um musical com Judy Garland em 1942, "For Me and My Gal", e continuou aparecendo em vários musicais durante a década de 40, atuando ao lado de Lucille Ball, Rita Hayworth e Frank Sinatra. Seu grande legado porém seria deixado no início na década de 50: com "Sinfonia em Paris", em 1951, e "Cantando na Chuva" em 1952. O segundo, que ele também dirigiu e coreografou, e por qual provavelmente seja mais reconhecido devido ao famoso número da música "Singin' in the Rain", além de "Moses Supposes" junto a Donald O'Connor e "Broadway Melody" com Cyd Charisse.  Deve-se exaltar as habilidades de Kelly como coreógrafo, só de olhar para fotos de alguns números criados para os seus filmes já é possível ver a beleza plástica que o ator levava à tela criando e dançando.  


sábado, 30 de setembro de 2017

Atrizes que foram torturadas por diretores


  Muitos fãs de cinema sabem que existem umas histórias bem loucas sobre o que acontece por trás das câmeras. Brigas, casos amorosos, diretores loucos que fazem a equipe trabalhar exaustivamente, muitos meses de reclusão dos conhecidos em alguma locação estranha e distante, orçamento acabando antes dos fim das filmagens, improvisos, equipe protestando contra o diretor ou estrela do filme, acidentes, gravidezes sendo escondidas...Fazer um filme não é fácil. Sendo um ambiente de trabalho pouco ortodoxo, situações abusivas podem acontecer, principalmente com atrizes, que como muitas mulheres, não são levadas à sério no seu trabalho e se tornam mais facilmente vítimas de comportamentos abusivos. Combinado a isso, alguns diretores acreditam que vão conseguir boas atuações de seus atores se os colocarem em situações extremamente estressantes. Assim, muitas atrizes sofreram para sobreviver a um período de gravações ou viveram um pesadelo enquanto participavam de um filme.

Shelley Duvall e Stanley Kubrick



  Essa deve ser uma das histórias mais contadas dos horrores que uma atriz sofreu nas mãos de um diretor. Shelley Duvall foi escalada para viver Wendy Torrent na adaptação de Stanley Kubrick do livro "O Iluminado" (1980) de Stephen King, o filme se tornaria um clássico do gênero de terror e um xodó dos fãs, que cultuam o filme até hoje. O rosto aterrorizado de Duvall que se vê no filme custou muito à atriz. As filmagens de "O Iluminado" duraram 13 meses e aconteceram na Inglaterra, onde Shelley não tinha nenhum parente ou amigo. Kubrick instruiu a equipe a não falar com Shelley, a famosa cena em que ela segura um taco de baseball enquanto é confrontada por Jack Nicholson teve o número recorde de 127 tomadas, como resultado, as lágrimas dela nessa cena são reais. Como sua personagem passa grande parte do filme fugindo aterrorizada do seu marido, Duvall revelou que chegou a chorar por 12 horas, ela precisava beber várias garrafas de água para se manter hidratada.
  Além de que Kubrick nunca elogiou o seu trabalho e dizia a ela que ela estava desperdiçando o tempo de toda a equipe; em um documentário feito por Vivian Kubrick, filha do diretor, sobre as filmagens, o diretor aparece lhe dizendo: "Não simpatize com Shelley." A atriz, no entanto, não aceitou tudo calada e entrou em discussões com o diretor, além de ter mostrado a ele um tufo do seu cabelo que havia caído devido ao estresse com o filme. Se tudo isso já não faz a experiência de Shelley parecer ter sido infernal, ainda exite o rumor de que na filmagem da cena em que o personagem de Jack Nicholson abre um buraco na porta com um machado, Shelley não sabia o que estava acontecendo e ficou muito assustada, sendo a sua fala durante essa cena- "Jack, por favor!"-um pedido da própria atriz para que o ator parasse. O próprio Jack Nicholson disse que achou ótimo trabalhar com Kubrick, mas que ele era um "diretor diferente" com Shelley, e sobre o trabalho da atriz, ele disse ter sido o mais difícil que ele já viu um ator ou atriz fazer. Outro detalhe interessante é que Stephen King não gosta nem um pouco do filme e uma das razões é o retrato da personagem, Wendy; ele diz que ela é uma das personagens mais misóginas feitas em um filme, porque "ela só está ali para gritar e ser estúpida e essa não foi a mulher sobre a qual eu escrevi."
  Apesar de tudo, Duvall falou que mesmo a experiência tendo sido "quase insuportável", toda a gritaria e choro também funcionavam como uma terapia e tinha um efeito calmante no final. Pelo menos ela conseguiu enxergar algo de bom nisso tudo; apesar da notoriedade do filme, a atriz também reclamou sobre o trabalho dela não ter sido reconhecido na época da estreia do filme; "As críticas eram todas sobre Kubrick, era como se eu nem estivesse lá."

Faye Dunaway e Roman Polanski


  Durante as gravações de "Chinatown" (1974), a atriz principal, Faye Dunaway, e o diretor do filme, Roman Polanski, tiveram uma relação notoriamente ruim. A atriz, já famosa por "Bonnie e Clyde- Uma rajada de balas"(1967) e o diretor, que havia ganhado atenção por filmes como "O Bebê de Rosemary"(1968) não tiveram nenhuma razão aparente para os seus conflitos, o que se sabe é que Polanski não deu a Dunaway o melhor tratamento- quando perguntado pela atriz sobre quais eram as motivações da sua personagem, o diretor recusou a lhe dar direções dizendo: "Diga as palavras, seu salário é a sua motivação." Em outro momento, quando Polanski achou que o cabelo da atriz estava prejudicando o enquadramento, ele apenas puxou e arrancou a parte do cabelo que estava atrapalhando. Com mais ares de lenda, existe também a história de que Dunaway urinou em uma garrafa e jogou em Polanski após ele não a ter deixado ir ao banheiro durante as gravações. A atriz foi perguntada nos últimos anos sobre a veracidade dessa história e não quis responder. Apesar de tudo, o filme não sofreu com as brigas e se tornou um grande sucesso, sendo aclamado até hoje como um dos melhores filmes do cinema. Coincidentemente, o ator principal desse filme, assim como "O Iluminado" é Jack Nicholson.

Jean Seberg e Otto Preminger


  Uma história menos conhecida é a de Jean Seberg enquanto trabalhava com Otto Preminger. Se atrizes famosas e prestigiadas sofrem maus tratos de diretores, imagine atrizes jovens e inexperientes buscando ganhar reconhecimento. Seberg ficou especialmente vulnerável a Preminger porque ela nunca tinha feito nenhum filme antes de ganhar o muito cobiçado papel de Joana d'Arc no filme do diretor, "Saint Joan", sobre a vida da heroína lançado em 1957. Jean era uma adolescente de 17 anos quando venceu a competição de várias outras atrizes jovens e desconhecidas e foi imediatamente lançada à fama como a menina do meio-oeste americano que estrelaria um filme de Preminger, aparecendo em programas de TV acompanhada do diretor para dar entrevistas logo após o anúncio da sua escalação para o filme. Jean tinha um contrato com Preminger de sete anos para filmes futuros do diretor, com Preminger arcando com todas as despesas dela e ainda pagando um salário de 400 dólares por semana (equivalente a 3.500 dólares hoje) durante o primeiro ano de contrato. Jean estava nas mãos de Preminger e aí que ele começou a aplicar métodos esquisitos à atriz. 
  Preminger controlava a vida de Jean, não deixando-a sair nem para comer, dizendo que ela tinha que ficar no seu quarto de hotel estudando as suas falas. Ele a fazia passar por inúmeras tomadas sem lhe dar as instruções certas, deixando-a confusa ou em lágrimas. O ator John Gielgud, que também trabalhou no filme, disse que Jean não sabia nada sobre atuação em filmes e estava desesperada para aprender, mas ao invés de ensiná-la, Preminger a punia; outro ator do elenco, Richard Widmark relatou: "Todos nós pedimos para ele deixá-la em paz, nada adiantou, talvez fosse um teste de resistência, mas para mim era sadismo." Na cena da execução de Joana d'Arc, houve uma falha nos efeitos pirotécnicos e Jean começou a se queimar, ela gritou- fora de personagem- que estava queimando, a cena continuou e Jean conseguiu se livrar das amarras, em seguida, um dos atores que interpretava um carrasco saiu de personagem para resgatar a atriz. Preminger comentou sobre o ocorrido dizendo que era um acidente que um diretor como ele sonhava em ter e se vangloriou sobre como tudo tinha sido pego pelas câmeras, ele ainda usou a tomada em que Jean se queimou na versão final do filme, que ficou com cicatrizes pelo resto da sua vida por causa das queimaduras, além do trauma emocional. 
  O filme não foi bem recebido e a atuação de Jean recebeu críticas negativas, mas com um consenso dos críticos: ela havia sido mal escalada e mal dirigida. Hoje é possível perceber que o que Preminger viu em Jean foi a possibilidade de controlar uma atriz sem nenhuma experiência e que não sabia que não precisava dizer "sim" sempre. A jornalista Karina Longworth conta essa história e a do filme seguinte que Jean fez com Preminger- "Bonjour Tristesse", cujas filmagens não foram mais fáceis e foi o último filme que Jean fez com o diretor- em seu podcast, "You Must Remember This" . 

Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos e Abdellatif Kechiche



  Uma história mais recente e que ganhou atenção da mídia foi das reclamações das atrizes francesas Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos sobre o diretor Abdellatif Kechiche, que as dirigiu no aclamado "Azul é a cor mais quente" (2013). Quando o filme estreou em Cannes em maio de 2013 e ganhou o prêmio Palma de Ouro- sendo dividido entre o diretor e as duas atrizes principais, um fato inédito- tudo parecia bem, ou nem tanto, logo após o sucesso no festival, Seydoux falou para a imprensa que Kechiche as fez repetir as cenas de sexo (muito explícitas) várias vezes na frente de toda a equipe- é comum diretores só manterem os profissionais mais importantes em uma cena que envolve nudez ou simulação de sexo- durante vários dias; ela chegou a dizer que se sentiu como "uma prostituta". Exarchopoulos confirmou a história de sua colega de elenco dizendo que elas ficavam cansadas após tanto tempo filmando essas cenas, mas confessou que não tinha ficava tão chateada quanto Seydoux e que não tinha esperado por aquilo antes das filmagens. Kechiche respondeu chamando Seydoux de mimada- a atriz vem de família abastada- e tudo pareceu nada mais do que uma briga entre a atriz e o diretor. Porém, é de se observar que forçar duas atrizes heterossexuais a simularem cenas de sexo muito realistas durante várias horas é, no mínimo, insensível da parte do diretor, por não se importar com que tipo de ambiente ele está criando para atrizes das quais ele está exigindo muito; mostra também que ele não mediu distâncias- e não se importou com o bem estar de suas atrizes- para obter o resultado que desejava. Uma experiência como esta também pode ser vista como humilhante a abusiva como parece ter sido a forma que Léa Seydoux encarou. Além disse, antes de revelar suas queixas, a atriz chegou às lágrimas em entrevista coletiva durante o Festival de Cannes quando falava sobre as dificuldades de filmar as cenas explícitas do filme. 
  É triste ver que, às vezes, grandes atrizes como Seydoux, Duvall, Dunaway e Seberg passaram por momentos angustiantes nas mãos de diretores autoritários e insensíveis para entregar atuações que nós admiraríamos depois; infelizmente, muitas mulheres ainda sofrem com homens que se dão a liberdade de tratá-las como bem entendem em seus ambientes de trabalho e acabam vivendo com muita hostilidade nos lugares onde elas deveriam se sentir o mais livres para serem produtivas. 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Shakespeare and Co.: A livraria mais famosa do mundo


  A livraria Shakespeare and Company, situada em Paris, é conhecida como a livraria mais famosa do mundo e é, pelo menos, uma delas. Fotos desta livraria podem ser vistas circulando pelas páginas do Pinterest e do Tumblr; mas além da sua fofura parisiense, ela carrega história e ainda se diferencia dos outros estabelecimentos.
  A história começa no ano de 1919, quando a americana Sylvia Beach, morando em Paris, decidiu abrir uma livraria, que também emprestava livros, para ser um centro da literatura anglo-saxônica (na época no endereço 8 rue Dupuytren, ela se mudaria após para 12 rue de l'Odéon no 6º arrondissement, onde a loja ficou famosa). Ela se tornou um ponto de encontro de escritores, então desconhecidos, que se tornariam muito celebres, como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Ezra Pound e Gertrude Stein- os escritores da "Geração Perdida". Beach incentivou muitos destes escritores, alguns que passavam por dificuldades na época; ela vendeu as primeiras cópias do primeiro livro de Hemingway, "Three stories and ten poems"(três histórias e dez poemas), e publicou o clássico "Ulisses" de James Joyce. A loja também é descrita no livro "Paris é uma festa" de Hemingway e vendia o livro "O amante de Lady Chatterley" de D.H. Lawrence, que havia sido banido nos Estados Unidos e no Reino Unido. 





"Eu gostaria de te mostrar quando você está só ou na escuridão a incrível luz do seu ser."

  Beach foi obrigada a fechar a livraria durante a Segunda Guerra Mundial, dizem os boatos que foi porque a vendedora de livros se recusou a vender um exemplar de um livro de James Joyce para um oficial alemão; ela nunca mais a reabriu. A história da Shakespeare and Co. continua, então, graças a uma livraria aberta por outro expatriado americano em Paris, George Whitman, em 1951. Localizada na 37 rue Bûcherie, bem de frente à Catedral de Notre Dame, ela se chamava "Le Mistral". Repetindo a história da livraria de Sylvia Beach, a loja logo passou a ser frequentada pelos jovens escritores do movimento Beat: os americanos Allen Ginsberg e William S. Burroughs, além de outros nomes como Julio Cortázar, Anaïs Nin, James Baldwin e Bertolt Brecht. Whitman fez amizade com Sylvia Beach e a admirava profundamente, ela, então, o deu os direitos do nome Shakespeare and Company e no ano de 1964, após a morte de Beach e no aniversário de 400 anos de William Shakespeare, a loja foi renomeada como Shakespeare and Company, existindo até hoje no mesmo endereço. No local da loja original funciona uma loja de roupas, mas há uma placa assinalando que lá foi o lugar onde Beach publicou "Ulisses".

                  "Em 1922, neste local, a srta. Sylvia Beach publicou "Ulisses" de James Joyce.

                                                                       Loja original.

  George Whitman descrevia sua livraria como "utopia socialista disfarçada de livraria" e chamava o nome da loja de "romance em três palavras". Atualmente há muitas razões para visitar- ou só admirar- a Shakespeare and Co., ela ainda possui um grande acervo, com livros raros, e tem sido uma parceira de escritores e artistas. Entre as várias estantes de livro existem pequenas camas, onde qualquer um pode dormir sem pagar, em troca de trabalhar na livraria por duas horas ao dia, ler um livro em um dia e escrever uma autobiografia de uma folha no final da sua estadia. Estima-se que 30.000 pessoas já tenham morado na livraria e algumas "autobiografias" conservadas chegam a ter 50 anos; logo após a entrada existe uma frase pintada em uma das paredes que diz: "Não seja inóspito com estranhos, pois eles podem ser anjos disfarçados."   




  Whitman faleceu em 2011 e sua filha, Sylvia Beach Whitman, é a dona da livraria atualmente e faz um trabalho admirável para fazer a Shakespeare and Co. ainda ser especial e continuar seu legado. A livraria é responsável por muitos eventos culturais, dando destaque a vários artistas, e já publicou muitos livros, inclusive sobre a história da livraria. Beach Whitman criou o festival literário FestivalandCo, no qual autores contemporâneos conhecidos, como a autora de "Persepólis" Marjane Satrapi, já participaram e nos últimos anos a loja apareceu nos filmes "Antes do Pôr do Sol" de Richard Linklater e "Meia-Noite em Paris" de Woody Allen. Ao visitar o site da loja (também é possível comprar livros virtualmente), você pode encontrar um podcast transmitindo os eventos que acontecem, assinar o newsletter ou ler o conteúdo do site e do blog e assim descobrir tudo o que acontece na livraria. A Shakespeare and Co. também tem uma página no Facebook e contas no Tumblr e no Instagram.

              Cenas de "Antes do Pôr do Sol" e "Meia-Noite em Paris" com a Shakespeare and Co.

  Não posso esconder que tive o enorme prazer de visitar a loja, o ambiente é super acolhedor (dá para entender porque alguém gostaria de dormir lá), há sempre pequenas coisas especiais pela loja- como um piano com uma placa incentivando os visitantes a tocá-lo, uma maquina de escrever que pode ser utilizada, um gato em uma das janelas e várias cadeiras ou pequenos sofás estilosos. Você também pode ter seu livro comprado na loja carimbado com o selo da marca; eu e minha mãe compramos "Vanity Fair's Proust Questionnaire" e "Artists, writers, thinkers, dreamers" de James Gulliver Hancock, ambas pedimos para que eles fossem carimbados. Poderia ser só mais uma livraria antiga, mas é um lugar com uma história belíssima de pessoas que se dedicaram às artes e à literatura, que teve a sorte de ter estado no caminho de tantos escritores geniais, onde vários artistas podem ir e que defende valores de sonhos e amor como pouquíssimos lugares que se possa encontrar (considerando que muitas pessoas que passaram por lá viraram heróis da literatura, talvez não seja tão absurdo acreditar em sonhos lá). É simplesmente mágico e como Henry Miller disse, é "um paraíso dos livros."





Shakespeare and Co. à noite, aparentemente o melhor horário para visitá-la, ela fica aberta até as 23h, uma raridade na França.



Bolsa que pode ser comprada como brinde.

Algumas fotos foram tiradas deste blog.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

"A Sangue Frio" de Truman Capote


   No dia 16 de novembro de 1959, Truman Capote lia o jornal The New York Times quando uma nota na primeira página sobre o assassinato de um influente fazendeiro e sua família em uma pequena cidade do Kansas chamou sua atenção. Naquele mesmo dia, ele ligou para o editor da revista The New Yorker, William Shawn, dizendo que queria escrever sobre o crime e pegou um trem com a amiga e escritora Harper Lee- aurora de "O Sol é Para Todos"- para Holcomb, Kansas. Capote logo percebeu o potencial de sua história para torna-se um livro e passou os cinco anos seguintes trabalhando no caso.
  O escritor chegou em Holcomb e viu uma cidade atordoada pelos eventos recentes- era uma cidade onde todos se conheciam e gostavam da família Clutter; o pai Herb, um fazendeiro de influência local, sua esposa Bonnie e seus filhos adolescentes Nancy e Kenyon, de 16 e 15 anos. Foi na noite do dia 14 de novembro que os quatro foram mortos em sua própria casa, cada um com um tiro a queima roupa. 
  Capote e Lee estavam presentes quando um mês após, logo depois o ano novo, Richard "Dick" Hickock e Perry Smith foram presos em Las Vegas e levados a Holcomb. O famoso escritor relatou que a cidade ficou em silêncio, sem nenhuma hostilidade, apenas surpresos em ver que os dois responsáveis pelo crime que os chocaram eram apenas pessoas. Capote conheceu os assassinos confessos e viu a história que escreveria- um crime de todos os seus ângulos. 


  "A Sangue Frio" foi publicado da revista "The New Yorker" em quatro partes no ano de 1966 e posteriormente lançado como livro, que tornou rapidamente Capote um dos escritores mais famosos do país e figura desde então como um clássico da literatura americana e do jornalismo literário. Capote dizia na época que havia inventado um gênero- o "romance de não ficção" ou "sem ficção", mas muitos argumentaram então que trabalhos com um estilo parecido já tinham sido feitos antes. A primeira parte se chama "Os Últimos a Vê-los com Vida" e narra o último dia de vida dos membros da família Clutter e o caminho que os assassinos percorriam neste mesmo dia em direção ao lugar onde ocorreria o crime, a segunda se chama "Pessoas desconhecidas", mostrando os eventos ocorridos imediatamente após as mortes e as duas últimas, "Resposta" e "O Canto" concluem a história com a captura dos assassinos, o julgamento, a prisão e a execução de ambos.
  "A Sangue Frio" impressiona pelos detalhes, frutos da investigação intensa de Capote, o que também gerou controvérsias- até onde o que está no livro é real? É perceptível que Capote usa técnicas de romances policiais na sua narração, no entanto, o própria jurava que era tudo factual, uma reportagem jornalística escrita em forma de romance. Outra crítica que foi feita ao livro foi a romantização de um dos assassinos, Perry Smith, de quem Capote ficou próximo durante os anos de trabalho no livro. O que Capote diz é que a história do seu livro mostra dois mundos distintos dentro do mesmo país, o de uma família que vive confortavelmente em uma fazendo do Kansas e o de dois criminosos que tiveram uma vida muito diferente, que se chocam em uma catástrofe. 
  O livro também levantou questionamentos quanto à pena de morte, o próprio Capote se sentiu muito abalado após a execução dos dois criminosos, a qual ele assistiu, algo que ele diz nunca ter esquecido.

Capote e "A Sangue Frio" no cinema


Philip Seymour Hoffman como Truman Capote em "Capote" (2005). 

  Truman Capote e a história de como ele escreveu "A Sangue Frio" foi tema de dois filmes recentes, o mais famoso deles sendo possivelmente "Capote" (2005) do diretor Bennett Miller, que traz Philip Seymour Hoffman no papel do escritor em uma atuação que lhe rendeu um Oscar de Melhor Ator e Clifton Colllins Jr. como Perry Smith, e também posteriormente "Infamous" (2006), dirigido por Douglas McGrath, com Toby Jones no papel principal, Daniel Craig como Smith e Sandra Bullock como Harper Lee. Em 1967, "A Sangue Frio" foi adaptado pelo diretor Richard Brooks, com Robert Blake e Scott Wilson nos papéis de Perry Smith e Richard Hickock respectivamente, filme que também foi bem recebido e teve indicações ao Oscar.

Clifton Collins Jr. (à esquerda) como Perry Smith e Mark Pellegrino (à direita) como Richard Hickock em "Capote" (2005).
  

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Filmes de guerra


  Filmes sobre guerra são um gênero cinematográfico. Há alguns filmes mais famosos, grande parte sobre a Segunda Guerra Mundial- a mais retratada- feitos muitos anos após os eventos do conflito, mas os filmes sobre guerra são quase tão antigos quanto a própria história do cinema. Durante os períodos de guerra, muitos filmes eram feitos com fins de propaganda, o famoso ministro da propaganda alemão Joseph Goebbels foi responsável por vários filmes que exaltavam o regime nazista. Vários filmes sobre várias guerras foram feitos além dos feitos por Estados Unidos e Europa sobre as duas guerras mundiais, também existe um subgênero chamado anti-guerra, que ironicamente pode ser mais parecido com os outros tipos de filme de guerra do que o nome sugere. 
  Os filmes considerados de guerra são aqueles onde cenas de combate são centrais à trama, vários filmes têm alguma guerra como parte da trama, porém sem ser a parte central- como "Forrest Gump" e "...E o Vento Levou". Alguns temas comuns aos filmes sobre guerra são combate, sobrevivência, sacrifício, futilidade e inumanidade das batalhas, o efeito da guerra na sociedade e as questões morais e sociais levantadas pela guerra. 
  Um dos primeiros filmes de guerra é o filme mudo "The Fugitive" (O fugitivo) feito no ano de 1910 por D.W. Griffith, retratando dois soldados se despedindo de suas famílias para irem ao fronte da Guerra Civil americana (já bastante anterior ao filme).


  Durante a Segunda Guerra, os primeiros filmes feitos pelos aliados foram feitos pela Grã-Bretanha, eles foram "The Lion Has Wings" e "Target for Tonight", os filmes feitos pelos britânicos na época tinham funções de servirem como propaganda ou documentários. Nos Estados Unidos, uma série de propagandas dirigidas pelo famoso diretor Frank Capra foram realizadas e na Rússia também foram feitos filmes que mostrassem atrocidades do regime alemão e as vitórias russas na guerra. Já no lado do eixo, a Alemanha fez filmes com temas variados, falando sobre história como no filme "Kolberg"- que retrata a resistência prussiana às tropas de Napoleão- e "O Eterno Judeu"- que retrata os judeus como a causa de tudo de ruim que aconteceu na sociedade alemã- assim como outros filmes que exaltavam a raça ariana e a ideologia nazista.
  Dos filmes lançados pós-guerra, alguns para se destacar são "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, "O Pianista" daquele que não deve ser nomeado de Roman Polanski, "Batardos Inglórios" de Quentin Tarantino- um dos únicos com roteiro original- e, mais recentemente, "Até o Último Homem" de Mel Gibson. "A Lista de Schindler" conta a história real do empresário Oskar Schindler, que salvou vários judeus dos campos de concentração empregando-os em sua fábrica, o filme tem emocionado espectadores desde o seu lançamento em 1993 e realmente apela às emoções com várias cenas impactantes e apostando alto no drama maximizado pela trilha sonora ao som do violino composta por Itzek Perlman. A cena da menina de casaco vermelho- a única coisa colorida no filme, que é em preto e branco- foi o ponto que tocou e motivou o personagem Schindler e fez o mesmo com o público, tornando esta cena uma das mais famosas do cinema.


  "O Pianista," lançado em 2002, segue uma premissa parecida, acompanha a história real do pianista polonês Wladyslaw Szpilman e tudo o que ele passou durante a guerra, esse sem economizar no lado mais chocante da mesma e sendo mais sobre sobrevivência do que moral durante a guerra. Lançado ano passado, "Até o Último Homem" poderia já ser um filme cansado após tantos títulos sobre o assunto, mas este explora a brutalidade dos campos de batalha que vários outros filmes evitaram. "Bastardos Inglórios", então, é um filme bem Tarantino, não é baseado em uma história verdadeira e usa os eventos históricos da Segunda Guerra como pano de fundo para uma história de vingança, como muitas outras do diretor.
  Outra guerra que atraiu a atenção de vários diretores foi a Guerra do Vietnã ocorrida durante a década de 60, os títulos mais famosos provavelmente são "Platoon" de Oliver Stone, "Apocalipse Now" de Francis Ford Coppola e "Nascido para Matar" de Stanley Kubrick. Todos visões de grandes diretores sobre a guerra, uma que veio em um momento de mudança de rumos da história e foi visto sob parâmetros muitos diferentes da Segunda Guerra. Estes filmes mostram homens sobrevivendo à guerra e não colocam a guerra como algo necessário- visão mais difundida até meados do século passado- pois mandar jovens para o outro lado do mundo por uma guerra que muitos não viam razão para existir parece um desperdício. Além do mais, sendo a maioria desses filmes feitos pelos Estados Unidos, uma guerra perdida também.


  Saindo do eixo EUA e Europa, o continente africano, cuja história infelizmente é traçada por vários conflitos militares, também foi o tema para filmes do gênero. "Hotel Ruanda", lançado em 2004 e dirigido por Terry George, sendo possivelmente o mais popular; ele narra a história do conflito recente (década de 90) ocorrido em Ruanda, como várias outras guerras civis, esta surgiu das tensões entre etnias distintas: a hutu e a tutsi; as vítimas da guerra e a conivência do mundo quanto às guerras na África são mostrados no filme em como a comunidade internacional de então ignorou o enorme massacre que ocorria em solo ruandês e o desespero de milhares que procuravam abrigo. Mais recente, em 2015, "Beasts of No Nation", dirigido por Cary Joji Fukunaga, explora uma das maiores problemáticas das guerras civis africanas: crianças transformadas em soldados, o filme acompanha um menino e sua jornada como soldado de uma guerrilha.
  Um novo momentos nos filmes de guerra veio também quando as guerras do Iraque e do Afeganistão começaram a ser retratadas em filmes. A diretora Kathryn Bigelow se destacou com dois filmes sobre o tema, "Guerra ao Terror" e "A Hora Mais Escura". Os filmes de Bigelow, assim como outros lançados recentemente ("Sniper Americano" de Clint Eastwood) exploram o indivíduo na guerra, a noção de coletividade é perdida. Eles mostram o soldado que se sente desconectado dos assuntos triviais cotidianos após ter tido a guerra como seu cotidiano.


 
Uma abordagem diferente



  Ainda existem alguns filmes, talvez não sejam exatamente enquadrados no gênero filme de guerra, mas que têm a guerra como o seu tema principal, que retratam a guerra sobre ângulos diferentes. Um deles é "Retratos da Vida" de Claude Lelouch, ele mostra como famílias de vários países foram afetadas pela Segunda Guerra Mundial e uma coincidente ligação de todas com a arte. Lançado em 2014, "Juventes Roubadas" é baseado no livro de memórias de Vera Brittain, uma escritora pacifista, ele conta as experiências da autora durante a Primeira Guerra Mundial e o começo de sua filosofia pacifista a partir delas.


"Essa pode ter sido a minha obra prima".