Aviso: conteúdo forte na forma de menção a atos violentos.
Existe uma coincidência muito interessante que pode acontecer em meio ao mundo de informações que nos é bombardeado- consumir dois conteúdos que se comunicam perfeitamente sem ter buscado tal efeito. Foi o que aconteceu comigo quando eu comecei a ler a HQ "Meu Amigo Dahmer" logo após ter terminado de assistir "Mindhunter". Eu preciso admitir antes de tudo que sou uma grande fã de histórias de crimes- o que eu pude explorar muito recentemente devido a várias descobertas pessoais e lançamento deste ano-.
"Mindhunter", série produzida por David Fincher e lançado na Netflix em outubro, é a mais popular destas duas produções; e a primeira das duas obras que eu vi. A série, uma das mais elogiadas entre as originais da Netflix tira inspiração do livro homônimo de John Douglas e Mark Olshaker e acompanha o trabalho de dois agentes do FBI e uma professora de psicologia traçando o perfil de vários psicopatas condenados; a história é verdadeira e os personagens são inspirados nas pessoas reais que desenvolveram esse trabalho.
O que se vê na série é uma resistência muito grande ao trabalho desenvolvido pelos personagens; a época é o final dos anos 70, o FBI não vê a utilidade dessa linha de estudo e a população só quer distância dos assassinos que os chocaram com crimes sem sentido; não muito antes dos eventos da série, os assassinatos de Sharon Tate e do casal LaBianca pela Família Manson- liderada pelo recém falecido Charles Manson- aconteceram, marcando a memória recente da sociedade na época, como apresentado por meio de muitos personagens na série. A expressão assassino em série nem existia até então, ninguém entendia esses criminosos ou queria entender. A frase de efeito jogada pelo personagem Bill Tench que leva o projeto adiante é "Como nós ficamos a frente dos loucos se não sabemos como os loucos pensam?"
Nos mesmos estranhos anos 70 em que a história contada em Mindhunter acontece, a história de "Meu Amigo Dahmer" também se desenrola. Derf Backderf, autor da HQ, descreve a adolescência de Jeffrey Dahmer quando ambos frequentavam o ensino médio juntos. Dahmer ficou conhecido anos mais tarde como um dos mais cruéis assassinos em série que já existiu, pela quantidade de vítimas- ao menos 17- e a forma como as matou e manejou seus corpos, incluindo estupro, necrofilia, canibalismo e a desmembração e conservação de partes dos corpos de suas vítimas. A história que Backderf conta, no entanto, não retrata nenhum desses horrores, mas um jovem que apresentava um comportamento perturbador ignorado por todos. O quadrinista conta com histórias de sua lembrança e da de amigos que também conheceram Dahmer, além de informações dadas pelo próprio assassino em entrevistas na época de sua prisão e condenação.
"É uma história de fracassos (...) Todo mundo fracassa: os pais dele, os professores, a direção da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff." Descreve Backderf, que teve a ideia para o seu livro após a morte de Dahmer, assassinado na prisão, em 1994. O questionamento trazido pelo livro é da negligência a um adolescente que demonstrava problemas com alcoolismo, tinha um pai ausente e uma mãe depressiva, mas não recebeu nenhum apoio, ninguém observou como ele estava indo na direção errada. Backderf e seus amigos acolherem Dahmer por algum tempo no grupo deles e o autor notou mais tarde, fazendo entrevistas para o livro, que ninguém mais falava com ele, e então aquele grupo de amigos que o acolheu foi uma das únicas interações sociais que ele teve.
A semelhança entre "Mindhunter" e "Meu Amigo Dahmer" pode parece óbvia, mas ambas as obras não se tratam apenas do fruto de uma curiosidade mórbida, mas de um olhar que poucas pessoas tiveram de tentar entender como um assassino em série perverso surge, como uma pessoa deixa de ser alguém normal e se torna capaz de cometer atos tão horríveis? "Continuo sem saber o motivo que o levou a se tornar essa criatura, mas documentei o processo", admitiu Backderf.
O contexto na vida desses assassinos, para muitos, não é o suficiente para justificas as suas ações- como aparece em "Mindhunter"- e os questionamentos, "e se?", sobre o que poderia ter sido feito diferente em relação a essas pessoas também não parece satisfazer quem investiga as mentes de psicopatas - como fica claro em "Meu Amigo Dahmer"- mas a psicologia forense e o cuidado em observar os adolescentes em fase de desenvolvimento nos propõem que mesmo esses "monstros" poderiam ser entendidos ou até mesmo ganhado, com a ajuda certa, outro destino- um que não acabaria com a sua vida e de várias outras pessoas.
Outra coisa! "Meu Amigo Dahmer" virou filme esse ano, ele chegou às salas de cinemas americanas no dia 3 de novembro e não tem data de estreia no Brasil ainda; trailer abaixo: