quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Maiores estrelas do cinema por década: anos 1910



  Nos anos 1910, o cinema, apesar de jovem, já tinha algumas décadas de vida e já era um conhecido, fazendo parte da vida das pessoas em várias partes do mundo. No entanto, só foi a partir dos anos 1910 que um elemento muito conhecido da indústria cinematográfica passou a fazer parte dela: as estrelas de cinema.
  Antes disso, os atores nem eram creditadas com seus próprios nomes, para não lhes dar mais poder e fazê-los cobrar salários mais altos. Mas mesmo sem saber os seus nomes, o público se apegava aos atores e quando os produtores da época descobriram a vantagem de se ter uma "estrela" para atrair público, elas nunca mais deixaram de existir. Mesmo com várias mudanças: o cinema falado, a TV, o fim do sistema de estúdios.., até hoje nomes como Jennifer Lawrence, Emma Stone, Tom Cruise e Brad Pitt atraem atenção e são reconhecidos globalmente.

Florence Lawrence


  Nós não podemos começar essa história sem falar de Florence Lawrence. Apesar de não ser um nome muito lembrado na história do cinema, Lawrence é considerada a primeira estrela de cinema de todas. Conhecida a princípio como a "Garota Biograph" (nome pelo qual Mary Pickford também foi conhecida por um tempo, de quem discutiremos a seguir) sendo Biograph o nome do estúdio em que ela trabalhava. Apesar da insistência do público em saber o nome da "Garota Biograph", o estúdio insistia em manter seu nome no anonimato. Essa situação só mudou quando o futuro fundador dos estúdios Universal, Carl Laemmle, a convenceu a abandonar o Biograph pelo estúdio que ele tinha acabado de criar, o Independent Moving Pictures Company. No novo emprego, Lawrence não teve apenas seu nome divulgado, Laemmle espalhou uma notícia falsa de que a "Garota Biograph" havia morrido em um acidente automobilístico, ele mesmo desmentiu a história com um anúncio nos jornais em que ainda informava que Lawrence estava trabalhando em um novo filme sob a sua produção. Lawrence e Laemnle fizeram uma aparição na cidade americana de St. Louis para provar que a atriz estava viva e bem, a visita atraiu enorme atenção do público inclusive espalhando o boato de que o público havia rasgado as roupas de Lawrence. Ainda no meio da década, a fama da atriz começou a diminuir e ela morreu de um aparente suicídio em 1938, aos 52 anos, vivendo de forma modesta, apesar da pequena fortuna que ela ganhou durante o seu auge, e fazendo papéis não creditados para se sustentar. 

Mary Pickford


  Mary Pickford nasceu no Canadá e começou a trabalhar em teatro ainda criança, assim como Florence Lawrence (em ambos aspectos). A família Pickford foi para os Estados Unidos com o objetivo de que os três filhos trabalhassem na Broadway. Após muitas dificuldades, Mary conseguiu fazer um teste com o visionário diretor D.W. Griffith no estúdio Biograph e logo conseguiu um contrato. Naquele ano, em 1909, ela apareceu em 51 filmes (todos curta-metragens). Suas produções nos anos de 1913 e 1914 - já por um estúdio diferente, o Famous Players in Famous Plays de Adolph Zukor, que seria conhecido depois como Famous Players-Lasky e mais posteriormente se tornaria o estúdio Paramount - criaram um grupo de seguidores da performer, o que a tornou a atriz mais famosa nos Estados Unidos no meio da década, tendo seu nome acima dos títulos dos filmes nos cartazes. O prestígio entre público e crítica na época só se comparava ao de Chaplin e ambos, juntos a D.W. Griffith e o futuro marido de Pickford, Douglas Fairbanks, fundaram a produtora United Artists. A fama da atriz continuou na década de 20 e ela foi uma das estrelas do cinema mudo que sobreviveu à transição para o cinema falado, tendo sido a segunda atriz a vencer um Oscar de Melhor Atriz no final da década de 20 (ela também fez parte da criação da Academia de Artes Cinematográficas, responsável até hoje pela entrega do Oscar). O bom senso para os negócios que ela tinha a permitiu continuar trabalhando na produção de filmes após se aposentar da frente das câmeras em 1933; durante a sua carreira como atriz, Pickford negociava seus salários se baseando no lucro que eles geravam o que a fez acumular uma considerável fortuna.

Douglas Fairbanks



  Douglas Fairbanks chegou a ser chamado no auge da sua popularidade de "rei de Hollywood", "título" que seria passado para Clark Gable posteriormente. Com o seu casamento com Mary Pickford surgia o primeiro casal celebridade do cinema que juntos eram chamados de "realeza de Hollywood". Fairbanks como muitas outras estrelas do cinema mudo começou a trabalhar no teatro ainda na infância; quando chegou em Hollywood em 1915 sua fama cresceu rapidamente, se tornando o ator mais conhecido em 1918. Seus primeiros papéis no cinema eram cômicos, mas o seu porte atlético o levou a interpretar os personagens heroicos que o tornaram mais famoso - como Zorro e Robin Hood. Diferente da sua esposa, Fairbanks não conseguiu transitar para os filmes falados no final dos anos 20, as limitações técnicas na captação do áudio limitavam as cenas de ação pelas quais ele era famoso, o que somado a problemas de saúde o fez se aposentar das telonas em 1934. Quando ainda contava com grande popularidade, fundou a Academia de Artes Cinematográficas com Mary Pickford, antes de se separarem; ele foi o primeiro presidente da Academia e o primeiro apresentador de uma cerimonia do Oscar (que ainda não era conhecida por esse nome, apenas Prêmios da Academia) no ano de 1929. Longe dos filmes e com saúde debilitada, Fairbanks morreu em 1939, aos 56 anos.

Charlie Chaplin



  Charlie Chaplin poderia configurar em várias listas como essa, pois ele continuou sendo uma grande estrela nas décadas seguintes; mas foi nos anos 1910 que ele primeiro se destacou. Vindo do teatro onde já se destacava pelo talento cômico, Chaplin conseguiu um contrato com os estúdios Keystone após uma sequência de turnês pelos Estados Unidos com a companhia teatral da qual ele fazia parte. Com o lançamento do seu curta de estreia no cinema, Chaplin, insatisfeito com o resultado,  criou o personagem "O vagabundo" (do original inglês "The Tramp", adaptado para o português como Carlitos), aparecendo pela primeira vez nas telonas em dois curtas lançados com dois dias de diferença em 1914: "Carlitos no hotel" e "Corrida de automóveis para meninos". O sucesso foi imediato e a demanda de exibidores por mais filmes de Chaplin, somado aos problemas que o ator tinha com os diretores, deu a ele a liberdade de passar a dirigir os próprios filmes. No ano seguinte, com um novo estúdio e mais filmes lançados - onde o personagem do Vagabundo se desenvolvia e adquiria as características que o tornou conhecido - Chaplin se tornou um grande fenômeno, descrito na época como uma "mania"; bonecos do vagabundo eram vendidos, as pessoas se fantasiavam como ele e havia concursos de imitação do personagem. O apelo de Chaplin, tornando-o a primeira celebridade do cinema a atingir fama internacional, fez o contrato com o seu terceiro estúdio lhe render um milhão de dólares, equivalente a 19 milhões atualmente, um salário inimaginável na época. Seu primeiro longa só viria na década de 20, mas no resto dos anos 1910 ele continuou fazendo curtas considerados cada vez mais sofisticados para os padrões cinematográficos de então.

Chaplin com um boneco d'O Vagabundo em 1916.

Theda Bara


  Theda Bara é a atriz que define um tipo de femme fatale do cinema mudo chamada "vamp", curto para vampire (vampiro(a)). As personagens de Bara eram exóticas e misteriosas, com várias mentiras sobre a vida da atriz sendo espalhadas pelos publicitários do estúdio, como a de que ela tinha vivido no deserto do Sahara quando criança, para aumentar o interesse do público por Bara. A atriz era incentivada a encarnar misticismo e ocultismo nas suas entrevistas e, apesar da origem do seu nome artístico ser disputada (seu nome de nascença era Theodosia Goodman), uma das hipóteses é que um diretor de cinema descobriu que o seu apelido de infância era Theda e ela tinha um parente com sobrenome Barranger, sendo a combinação Theda Bara um anagrama para "morte árabe" (arab death). O papel que a tornou um ícone foi o de Cleópatra em uma produção de mesmo título do ano de 1917. Theda ainda fez outros filmes, na maioria como personagens vamp, após o sucesso de Cleópatra, mas, cansada dos mesmos personagens, voltou brevemente ao teatro (onde havia começado a sua carreira) em 1920 e fez seu último filme em 1924 - onde parodiou da sua imagem de vamp. Bara aparecia em roupas reveladoras em seus filmes e por isso também é considerada a primeira sex symbol do cinema. Um incêndio destruiu a maioria dos seus filmes ano de 1937, quase todos são considerados perdidos, até "Cleopatra", do qual, no entanto, algums fragmentos sobreviveram e podem ser encontrados no Youtube. 

Sessue Hayakawa


    Sessue Hayakawa nasceu no Japão em 1886; após sua ambição de seguir uma carreira na marinha japonesa (mais por uma imposição familiar) ser destruída por uma lesão no ouvido, Hayakawa tentou cometer seppuku - uma forma de suicídio japonesa - mas foi salvo pelo cachorro da família, que chamou a atenção dos seus pais e o pai de Hayakawa arrombou a porta de onde o filho estava. O novo desejo de sua família para ele era que se tornasse banqueiro e o jovem foi estudar economia política na Universidade de Chicago. Após o fim dos seus estudos, Hayakawa passou por Los Angeles, de onde estava programado para pegar um navio de volta para o Japão, quando conheceu o Teatro Japonês em Little Tokyo (um distrito da cidade) e acabou ficando por lá, decidido a seguir uma carreira de ator. Um produtor foi chamado para vê-lo em cena e lhe ofereceu um contrato para um filme, onde ele se destacou e o levou a um contrato com o futuro estúdio Paramount - na época, Famous Players-Lasky. Hayakawa virou um sex symbol e ídolo romântico, apesar de uma lei segregacionista da época proibir que atores de raças diferentes se beijassem em um filme, o que fazia o ator japonês sempre interpretar uma segunda opção para mocinhas caucasianas que no final percebiam que o branco americano era uma opção mais segura ou amantes proibidos, esses personagens, muitas vezes, também se revelavam como homens maus e perigosos.  Mesmo assim e para a preocupação de alguns setores da sociedade, Hayakawa passou a ter uma grande base de fãs constituída principalmente por mulheres brancas.
  Da métade para o final dos anos 1910, o ator já tinha enorme popularidade, rivalizando com Charlie Chaplin e Douglas Fairbanks e ganhando dois milhões de dólares por ano. No começo dos anos 20, Hayakawa deixou Hollywood cansado dos personagens estereotipados e foi fazer filmes no Japão e na Europa, ele ainda voltou a trabalhar em Hollywood na década de 30 e teve uma carreira longa com filmes bem-sucedidos até se aposentar na década de 60. Eu consegui assistir um dos seus filmes - "The Cheat" (1915), um dos primeiros sucessos - que está disponível no Youtube; nele, o ator interpreta um empresário japonês que ajuda uma socialite americana com um problema e depois se torna o vilão do filme. Nesse filme, é possível ver todos as características típicas dos seus personagens: o charme, um triângulo amoroso com um casal branco e a vilania. O filme pode parecer chato em alguns momentos para quem está acostumado com os filmes atuais ou até filmes da Hollywood antiga feitos posteriormente com mais recursos técnicos, mas ele ainda consegue ser envolvente e tem um final surpreendente.

Hayakawa em "The Cheat".

Lillian Gish




  Lillian Gish e sua irmã Dorothy tiveram seus destinos mudados quando, após se mudarem para Nova York, a sua vizinha Mary Pickford (prestes a se tornar famosa) apresentou as irmãs, que já haviam aparecido em várias peças teatrais, a D.W. Griffith, um dos diretores mais importantes do cinema mudo. Ambas estrearam juntas em um curta de Griffith chamado "An Unseen Enemy" em 1912. Apesar de Dorothy também ter se tornado uma grande atriz, Lillian foi favorecida por Griffith , que preferia as suas qualidades dramáticas às cômicas de sua irmã. No resto da década, a atriz apareceu em alguns dos filmes mais famosos de Griffith, incluindo "O Nascimento de uma Nação"(1915) e "Intolerância"(1916), dois filmes que entraram para a história do cinema pelas realizações tecnológicas (principalmente quanto à edição e ditando os longa-metragens como foco do cinema comercial hollywoodiano) e também pela controvérsia dos seus temas, sendo o primeiro uma exaltação do Ku Klux Klan (KKK). Após o fim de sua associação com Griffith em meados da década de 20, ela assinou um contrato com o recém-formado estúdio MGM, onde logo perdeu espaço para as estrelas que surgiam, como Greta Garbo, em uma época onde as personagens etéreas e pueris que marcaram a sua carreira e a de Mary Pickford se tornaram antiquadas face ao surgimento das melindrosas personificadas em estrelas como Louise Brooks, Clara Bow, Kay Francis e Joan Crawford. Lillian voltou ao teatro, sua primeira paixão e onde tinha feito alguns trabalhos durante o seu sucesso cinematográfico, e continuou aparecendo em filmes esporadicamente por quase toda a sua vida.