A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas apresentou ao público os indicados à 90ª edição da sua premiação - o Oscar - no último dia 22. Entre os indicados a Melhor Filme - e às categorias de Melhor Diretor (Spike Lee), Melhor Ator Coadjuvante (Adam Driver), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Edição -, "Infiltrado na Klan" é o meu favorito.
O que também não significa que não haja grande qualidade técnica e artística em "Roma", o favorito para levar o prêmio de Melhor Filme e seu idealizador, Alfonso Cuarón, o de Melhor Diretor. Ou que "Nasce Uma Estrela" não seja um filme emocionante com uma música original já icônica e muito menos que "Pantera Negra" não seja um dos melhores filmes de super-herói de todos os tempos e um marco para a diversidade no cinema.
"Infiltrado na Klan" é mais uma obra do prestigiado diretor Spike Lee, de filmes como "Faça a Coisa Certa" (1989), "Ela quer tudo" (1986) e "Malcolm X" (1992), que surpreendentemente acaba de receber sua primeira indicação como diretor no Oscar. Apesar disso, não faltam homenagens aos trabalhos do diretor em sua carreira - "Infiltrado na Klan" estreou no Festival de Cannes do ano passado, vencendo o Grande Prêmio (apesar do nome é o segundo prêmio mais importante do festival, atrás da Palma de Ouro).
Baseado no livro "Black Klansman" de Ron Stallworth, o filme conta a história real vivida pelo seu autor, papel de John David Washington. Nele, Stallworth, como o primeiro policial negro na cidade de Colorado Springs, desenvolve um plano para a polícia se infiltrar no Ku Klux Klan (KKK), o histórico grupo racista dos Estados Unidos. Com a ajuda de um policial branco, interpretado por Adam Driver, se passando por um supremacista branco filiado ao KKK, a operação chega até o grande líder do grupo na época, David Duke, e faz importantes revelações a respeito das atividades da organização.
Com a presença da personagem de uma ativista negra interpretada por Laura Harrier, o filme apresenta os grupos extremos: os supremacistas brancos e os que lutavam por direitos iguais; um retrato atemporal de uma história que se passa nos anos 70, mas poderia ser atualmente, na década de 50 ou no século XIX. A sociedade americana no filme acaba de sair do auge do Movimento dos Direitos Civis - com presença ainda dos panteras negras e de ícones como Angela Davis no entanto - onde o KKK renasce como resposta e um momento de polarização com essas ações e reações é instaurado. A linguagem já conhecida de Spike Lee vem como instrumento ideal para contar essa história, no momento certo, trazendo seu humor ácido, sem banalizar a discussão do tema seu tema principal, o racismo. Decididamente, o ponto alto do filme é a cena em que uma reunião do KKK é intercalada com cenas de um encontro de estudantes negros que ouvem um homem idoso (participação de Harry Belafonte) contar o caso de um garota negro que foi torturado e assassinado. Essa cena confronta o espectador quanto a que lado ele quer estar. Aí então, no final do filme, Spike Lee nos apresenta imagens reais dos recentes movimentos neonazistas nos Estados Unidos e o Black Lives Matter (lutam contra o racismo institucional, principalmente a brutalidade policial), como a prova viva da atemporalidade dos conflitos apresentados ali.
Apesar de não ser o favorito da cerimônia, "Infiltrado na Klan" é um dos filmes mais interessantes nessa temporada de premiações, em um momento onde a Academia finalmente está dando o reconhecimento merecido a Spike Lee, de forma atrasada mas ao menos tempo em um momento oportuno. Há três anos eu escrevi nesse blog nessa mesma época sobre a hashtag #OscarsSoWhite e esse ano tivemos "Infiltrado na Klan", "Pantera Negra" e "Podres de Rico", com representatividade que não se imaginava antes. Isso, porém, não é tudo, não pode ser, o caminho é logo e esse é só o começo.