sábado, 3 de agosto de 2019

Chernobyl da HBO




  A minissérie "Chernobyl" estreou em maio sendo muito aclamada por público e crítica, sendo uma das mais faladas entre as lançadas este ano e adquirindo algumas das notas mais altas do site agregador de críticas IMDb, inclusive um impressionante 9,9 em seu último capítulo. Em cinco episódios, a produção da HBO narra os eventos ocorridos no acidente da usina nuclear de Chernobyl, na cidade de Pripyat, da então União Soviética, atual Ucrânia. Os personagens principais são o cientista Valery Legasov (Jared Harris), Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard), um membro do governo, a cientista Ulana Khomyuk (Emily Watson), uma física nuclear, e alguns personagens que foram afetados pela tragédia e tiveram suas perspectivas abordadas; baseados em grande parte nos relatos trazidos pela autora Svetlana Aleksiévitch no seu livro "Vozes de Tchernóbil".
  O primeiro episódio já começa revelando um fato muito importante da história: o suicídio de Legasov exatamente dois anos após o acidente nuclear - o que não foi uma licença poética adotada pela série. Intitulado "1:23:45", a hora com números em ordem crescente também não foi uma escolha sensacionalista da série, mas também o horário exato em que o núcleo do reator 4 explodiu naquele 26 de abril de 1986. Tudo que acontece imediatamente após a explosão é apresentado nesse primeiro episódio, a reação de incredulidade de funcionários e diretores à perspectiva do núcleo de um reator RMBK ter explodido e as pessoas da cidade seguindo suas vidas achando que o que acontecia na usina era apenas um incêndio. Vários detalhes da história já são surpreendentes nesse ponto - mesmo para quem se lembra de ter estudado sobre o tema nas aulas de geografia ou visto os noticiários da época -como a decisão inicial do conselho formado para lidar com o acidente de não evacuar a cidade e diminuir a gravidade do acidente para o público.



  Um dos destaques da série é a fidelidade aos eventos reais, com exceção da personagem de Ulana Khomyuk, uma liberdade tomada pela série que auxiliou muito na narrativa, pois a justificativa dos escritores para a criação de uma personagem fictícia em meio de uma história real foi o intuito de usá-la como representação dos vários cientistas da vida real que trabalharam para conter os danos do acidente nuclear e descobrir a causa dele. 
  Um dos maiores triunfos da série é fazer justiça a pessoas como Legasov, Shcherbina e os cientistas representados por Khomyuk. Apesar dos fatos principais serem conhecidos, a série consegue criar suspense à medida que as dificuldades se impõem e com isso mostrar a coragem e importância das atitudes que contiveram o perigo da radiação e levaram a verdade a conhecimento público. E então chega à sua grande conclusão, resgatando a cena do suicídio de Legasov que abre a série: "qual é o preço das mentiras?" Ao descobrirem a verdade sobre o acidente de Chernobyl, que o partido comunista tanto tentou esconder, a conclusão que fica é que as vidas das pessoas valiam menos para o governo do que a imagem que a URSS queria passar enquanto a potencial rival do ocidente na Guerra Fria.
  
Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard), Valery Legasov (Jared Harris) e Ulana Khomyuk (Emily Watson.

  Apesar do primeiro episódio ser um dos mais emocionantes, mostrando o que acontece na noite do acidente, a reconstrução feito no último episódio, feita segundo por segundo, do que antecedeu a explosão, consegue ser ainda mais intrigante. Além de tornar compreensíveis conceitos nem um pouco simples para o público leigo em energia nuclear sem ser maçante, o que é imprescindível para a compreensão do que aconteceu e do peso das mentiras contadas na versão oficial divulgada inicialmente. 
  A proposta da série pode parecer, a primeira vista, como uma "provocação" dos Estados Unidos à extinta União Soviética, tendo saído vitoriosos da Guerra Fria. Apesar de mostrar uma das piores facetas do governo autoritário soviético, a série tem muito mais como objetivo exaltar os seus heróis, o que a indústria americana raramente faz com personagens não-americanos, principalmente soviéticos. Ainda assim, a repercussão da minissérie fez com que a TV estatal russa anunciasse a produção de sua própria série sobre o acidente nuclear de Chernobyl com "a versão verdadeira dos fatos" que envolve um agente da CIA infiltrado na usina de Pripyat. No entanto, a produção americana não deixou de agradar o público russo, como o jornalista Ilya Shepelin escreveu em sua defesa:"O fato de que um canal de TV americano, e não russo, contou a história sobre os nossos próprios heróis é uma fonte de vergonha para a mídia Pró-Kremlin da qual eles não suportam".  



  "Chernobyl" recebeu 19 indicações ao Emmy, o prêmio mais importante da TV americana, e essa foi apenas a primeira grande premiação a qual a minissérie pôde ser indicada devido ao seu lançamento recente. O seu sucesso consagra a HBO como, ainda, uma das maiores produtoras de TV - apesar do sucesso recente de séries da Netflix, Amazon e outros serviços de streaming - que segue o prestígio de outras produções recentes do canal: "Big Little Lies", "Euphoria", "Gentleman Jack" e "Game of Thrones". Uma segunda temporada não acontecerá, já que a história de Chernobyl foi concluída em seus cinco episódios, o que o público pode fazer é assistir e re-assistir essa série que será lembrada como uma das melhores do gênero de drama histórico.

Vídeo que compara as imagens de "Chernobyl" com imagens reais do acidente.