sábado, 8 de fevereiro de 2020

Coringa e Parasita: as mudanças de perspectiva


  O Oscar já é amanhã e muitos dos filmes indicados estão nas salas de  cinema do Brasil ou disponíveis em serviços de streaming. Esse texto vai se dedicar a dois dos filmes que mais rendem discussão: "Coringa" de Todd Phillips e "Parasita" de Bong Joon-ho.
  Ambos são filmes com um quê de inusitados na disputa do Oscar - Coringa ambientado no universo de super-heróis da DC e "Parasita" sendo um filme em coreano. Alguns sucessos anteriores prepararam o terreno para "Coringa" e "Parasita": "Pantera Negra" (2018) foi aclamado pela crítica e levou alguns Oscars em categorias além daquelas que normalmente consagram filmes de super-herói e blockbusters como efeitos especiais, mixagem de som, etc. Outros filmes coreanos já se tornaram clássicos nas últimas décadas apesar da falta de reconhecimento pela Academia, como Oldboy; o que torna até estranho que uma indicação a Melhor Filme só tenha chegado agora. 
  Começando com "Coringa": há anos não era lançado um filme que causasse tanto debate. O retrato de um aspirante a comediante com distúrbios mentais que se torna violento e gera um caos generalizado provocou discussões acerca da representação de violência - perturbadoramente próxima à realidade. A história de origem de Arthur Fleck, que se torna conhecido como Coringa, difere da representação em "O Cavaleiro das Trevas"(2008) e "Batman" (1989) por mostrar, ao invés de uma afinidade pelo caos - por "ver o mundo queimar" - uma reação explosiva a todo o abandono sofrido por um homem que sofreu abusos quando criança e deixa de ter assistência na vida adulta para o tratamento de seus distúrbios psiquiátricos. É importante notar, no entanto, que uma relação direta entre doença mental e violência não é a norma.


  Um assunto que em que "Coringa" toca, mas sem dar tanta atenção, é a desigualdade econômica - assunto principal de "Parasita". O filme sul-coreano nos apresenta a uma família pobre que consegue se inserir na casa de uma uma família rica por meio de fraudes. A reflexão sobre as diferenças nas vidas desses personagens de classes sociais distintas não é um tema comum no cinema americano ou mesmo no europeu, no entanto remetendo a filmes brasileiros como "Que horas ela volta?" (2015). A família pobre - os Kim - mora em um apartamento quase subterrâneo de onde a vista da janela mostra os bêbados urinando na rua, já a rica - os Park - possuem um belo jardim e a casa fica no topo de uma ladeira. Em uma cena onde os Park vão acampar e os Kim ficam na casa deles aproveitando todo o conforto dela sem que os donos saibam; a mãe Choong-Sook compara eles mesmos com baratas que se escondem quando a luz é acesa, que segundo ela é o que aconteceria se os Park flagrassem eles ali.


  "Parasita" já venceu um dos prêmios mais cobiçados do cinema - a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Apenas uma vez o vencedor da Palma de Ouro foi o mesmo da categoria de Melhor Filme do Oscar, com o americano "Marty" (1955) e "Parasita" pode se igualar a ele esse final de semana. O diretor Bong Joon-ho não vê o Oscar com tanta empolgação, chamando a premiação da Academia de algo mais "local"; o que não deixa de ser verdade sob nenhum aspecto, a maioria dos festivais de cinema já carrega o nome Festival Internacional de Cinema (de Veneza, Toronto, etc..), onde filmes de todo mundo são exibidos e premiados.
 Em ambos filmes existem partes onde vemos a representação da mídia dos personagens, o que diz muito sobre as narrativas. Quando Arthur vai para o talk show de Murray Franklin (Robert De Niro), ele diz que, diferentemente do que aconteceu com os jovens investidores de Wall Street, se ele morresse as pessoas "passariam por cima dele na rua", o que choca é a veracidade da crítica dele em contraste com as outras falas da mesma cena. Durante o filme, o assassinato deles é coberto extensamente pelos jornais incluindo uma fala do candidato a prefeito, Thomas Wayne, e só sobra para a nossa imaginação qual seria a atenção dada para Arthur - pobre, desempregado e com problemas de saúde mental - se ele morresse tão violentamento quanto. 


  (Spoiler de Parasita) No filme coreano, então, acontece algo parecido. Quando o patriarca Ki-Taek mata seu patrão, o sr. Park, a mídia se debruça nesse assassinato ocorrido em uma família de classe alta. Aqui somos levados a simpatizar com Ki-Taek, de forma que apesar de errado, entendemos a motivação que o levou a uma atitude tão extrema; mas para a imprensa, ele é apenas um homem e classe baixa que assassinou um pai de família e empresário do ramo tecnológico, manchando aquela imagem de perfeição. 
  Enfim, o fato de dois filmes tão originais estarem em foco é muito positivo; o cinema e principalmente o Oscar podem parecer, às vezes, repetitivo. Sendo assim, apesar de "Coringa" e "Parasita" terem enredos parecidos com de outros filmes - história de origem de um vilão e personagens que participam de fraudes elaboradas respectivamente - é um alívio assisti-los em meio a tantos filmes parecidos.