terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O artista x a pessoa

  Existe uma dificuldade entre admiradores de diversas formas de arte em aceitar alguns fatos relacionados a vida dos seus ídolos. A verdade é que muitas pessoas prestigiadas em seus campos de trabalho não são respeitáveis, e nós queremos adorá-las pessoalmente, ou não conseguimos mais apreciar o trabalho delas- principalmente o de artistas, pois envolve sua subjetividade- após conhecer o lado obscuro de suas vidas. Este ano vimos várias pessoas prestigiadas no cinema terem suas reputações manchadas sqn por acusações chocantes. Talvez pela maior e mais rápida disseminação de notícias e uma consciência maior quanto a certas atitudes antes relevadas. No meio do ano, Johnny Depp foi acusado pela esposa de agressão física; recentemente, Bernardo Bertolucci admitiu que uma das cenas de sexo em "O Último Tango em Paris" foi feita sem o consentimento, ou conhecimento, da atriz Maria Schneider; dois cotados ao Oscar do próximo ano, o diretor Nate Parker e o ator Casey Affleck estão sendo atormentados por antigas acusações de estupro e assédio sexual. 

                                                         O diretor Bernardo Bertolucci.

  É importante entender que bom profissional não significa boa pessoa, o público precisa aceitar estas verdades e não ignorá-las, diminuir a seriedade delas ou negá-las apesar das evidências. A fama possibilita a sensacionalização desses casos, o que coloca dúvidas em alguns deles; mas celebridades são como qualquer outra pessoa, elas podem estar sendo falsamente acusadas, mas a maioria das acusações tem base. Não é errado querer continuar a apreciar o trabalhos deles, isso não significa diretamente que se está sendo conivente com estas atitudes. O único dever do público é condenar estas atitudes veemente.  
  Além do mais, como se percebe, muitos destes profissionais conseguem continuar suas carreiras sem maiores danos, o que prova como os crimes de que são acusados não são levados à sério. Assim, não podemos evitar discutir o machismo presente- não só nesses casos- pois a crimes como violência doméstica, estupro e assédio sexual ainda não é dada a devida seriedade. Se esses crimes fossem vistos com a gravidade que têm, será que tantos continuariam à ativa- muitas vezes recebendo louros- tão facilmente? 
  Outro aspecto é o prestígio, continuar a reconhecer seu trabalho é aceitável, mas aplaudir enquanto são homenageados? Não. Acho que Casey Affleck não deve ganhar o Oscar- que não é como um sabre de luz que sai voando em direção a seu dono legítimo. Outros atores sem acusações nauseantes de crimes no passado também renderam atuações merecedoras de Oscar este ano. E se Nate Parker teve o sucesso do seu filme vencedor do prêmio de Sundance, "O Nascimento de uma Nação", arruinado, por que Affleck continua no caminho para um Oscar? Talvez o fato dele ser branco, ter um sobrenome famoso e uma equipe de relações públicas fazendo de tudo para abafar os casos em que ele está envolvido tenha alguma coisa a ver.

                                                                        Casey Affleck.

                                                                         Nate Parker.
  No entanto, nem sempre é fácil julgar os artistas. Monteiro Lobato, escritor de enorme importância para a literatura brasileira, já foi muitas vezes acusado de racismo. Devido à sua relevância para a literatura, sempre saem em sua defesa quando o assunto é levantado, e com bons argumentos, ideias consideradas racistas hoje realmente eram aceitáveis antigamente. Porém, Lobato provadamente defendia o KKK (grupo americano que assassivana negros) e a eugenia (ciência que defendia a eliminação dos negros a partir da genética) e esses fatos são varridos para de baixo do tapete a fim de preservar o autor do "Sítio do Pica-pau Amarelo" como o mestre do pré-modernismo no Brasil. O biógrafo de Monteiro Lobato, Vladimir Sacchetta, admitiu que "a defesa do Ku Klux Klan é indefensável", mesmo falando em prol do autor.
  É possível reconhecer a importância de sua obra e lê-la sem negar estes fatos, pois ao ignorá-los se passa a mensagem que eles podem ser perdoados por causa do escritor que Lobato foi, ou que não são nada demais, quando representam um grande desajuste moral. Não querer ler suas obras e não gostar dele também é válido, a escolha de autores como clássicos não é factual, é possível estudar a literatura brasileira sem ler Monteiro Lobato.
  É muito triste quando alguém que nos inspira nos decepciona tão profundamente, mas nós temos que perder esta necessidade de amar as pessoas que admiramos e diferenciar o profissional do indivíduo. Suas obras podem continuar a nos agradar, mas não podemos perder o senso crítico que condena a pessoa por trás delas. Afinal, pessoas bem-sucedidas também podem ser pessoas horríveis.

                                                                     Monteiro Lobato.

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