sexta-feira, 8 de junho de 2018

Persona e o Surrealismo


  A marca do surrealismo pode ser definida, simplisticamente, como a presença de elementos diversos e muitas vezes inusitados colocados de uma forma que não parece coerente. O filme “Quando Duas Mulheres Pecam” (1966), “Persona” no título original, de Ingmar Bergman, tira influência no movimento surrealista- cujo auge ocorreu 40 antes antes do seu lançamento com filmes como "Um Cão Andaluz", feito por Luís Buñuel em parceria com Salvador Dalí- para contar a história de duas mulheres: Elisabet, uma atriz afetada por uma mudez súbita e Alma, a enfermeira responsável por seus cuidados. Reclusas em uma casa de praia para a recuperação de Elisabet, o isolamento das personagens as torna quase as únicas do filme, o que já contribui para o surrealismo no filme, considerando que o isolamento de personagens no cinema frequentemente traz o desenvolvimento de um estado psicótico nos personagens, como em “O Iluminado” (1980), de Stanley Kubrick, ou o acontecimento de algo extraordinário, fantástico.


"Um Cão Andaluz" (1929)

  No começo do filme, há uma sequência de imagens- uma ovelha sendo morte, a mão de Jesus sendo crucificada e um pênis ereto- que são aparentemente desconexas. A deteriorização do estado de saúde de Elisabet, retratado no começo do filme, também é inusitada; a perda da voz da personagem é apresentada como algo repentino e sem uma explicação médica definida, que ocorre durante uma encenação da tragédia grega “Elektra”, o que é seguido de uma piora para um estado semi-catatônico. O que poderia parecer mais com sintomas médicos se torna algo enigmático na ausência de uma explicação racional.



  Na casa de praia, onde se passe a grande parte do filme, Alma encontra em Elisabet a confidente perfeita. Enquanto a sua saúde evolui, a mudez de Elisabet persiste e sua presença silenciosa permite a Alma a liberdade de revelar seus pensamentos mais íntimos e segredos mais profundas- como a memorável cena em que ela descreve uma orgia de qual participou em uma praia e um aborto que fez. O silêncio de Elisabet é como o de um psicanalista junguiano, que ouve seu paciente sem julgamento. Apesar de confortante, o silêncio de Elisabet passa a angustiar Alma também e a segunda passa a confrontar a primeira, sendo capaz de desvendar os segredos da atriz também.



  A situação culmina para uma quase fusão da personalidade das duas personagens, o que leva a uma das cenas mais famosas do filme e que mais carrega a influência surrealista- quando os rostos de Elisabet e Alma se misturam formando um novo rosto. Dentro da linearidade do filme, essa cena pode surpreender, mas ela representa a conclusão sobre a relação das duas personagens. Ao fim do filme, vemos uma película de filme se queimando, o que junto com a cena do começo do filme onde uma criança vê uma imagem em uma tela e a toca, mostra outros dois elementos surrealistas, que desta vez agem de forma metalinguística refletindo sobre a relevância e insignificância do filme- ao mesmo tempo elevando a sua mensagem e minimizando a obra como apenas ficção.


Junção dos rostos de Alma e Elisabet.

  
Cena de abertura de "Persona", cheia de elementos surrealistas.

  “Persona” é um filme que consegue mostrar a influência que tira do surrealismo, usando-o para auxiliar a narrativa- quase sempre coerente- mas sem deixar de surpreender e instigar o espectador com a criatividade de suas cenas surreais.

 Bibi Andersson, Ingmar Bergman e Liv Ullmann durante as gravações do filme.