A
marca do surrealismo pode ser definida, simplisticamente, como a presença de
elementos diversos e muitas vezes inusitados colocados de uma forma que não
parece coerente. O filme “Quando Duas Mulheres Pecam” (1966), “Persona” no
título original, de Ingmar Bergman, tira influência no movimento surrealista-
cujo auge ocorreu 40 antes antes do seu lançamento com filmes como "Um Cão Andaluz", feito por Luís Buñuel em parceria com Salvador Dalí- para contar a história de
duas mulheres: Elisabet, uma atriz afetada por uma mudez súbita e Alma, a
enfermeira responsável por seus cuidados. Reclusas em uma casa de praia para a
recuperação de Elisabet, o isolamento das personagens as torna quase as
únicas do filme, o que já contribui para o surrealismo no filme,
considerando que o isolamento de personagens no cinema frequentemente traz o
desenvolvimento de um estado psicótico nos personagens, como em “O Iluminado”
(1980), de Stanley Kubrick, ou o acontecimento de algo extraordinário,
fantástico.
"Um Cão Andaluz" (1929)
No começo do filme, há uma sequência de imagens-
uma ovelha sendo morte, a mão de Jesus sendo crucificada e um pênis ereto- que
são aparentemente desconexas. A deteriorização do estado de saúde de Elisabet,
retratado no começo do filme, também é inusitada; a perda da voz da personagem
é apresentada como algo repentino e sem uma explicação médica definida, que
ocorre durante uma encenação da tragédia grega “Elektra”, o que é seguido de
uma piora para um estado semi-catatônico. O que poderia parecer mais com
sintomas médicos se torna algo enigmático na ausência de uma explicação
racional.
Na casa de praia, onde se passe a grande
parte do filme, Alma encontra em Elisabet a confidente perfeita. Enquanto a sua
saúde evolui, a mudez de Elisabet persiste e sua presença silenciosa permite a
Alma a liberdade de revelar seus pensamentos mais íntimos e segredos mais
profundas- como a memorável cena em que ela descreve uma orgia de qual
participou em uma praia e um aborto que fez. O silêncio de Elisabet é como o de
um psicanalista junguiano, que ouve seu paciente sem julgamento. Apesar de
confortante, o silêncio de Elisabet passa a angustiar Alma também e a segunda
passa a confrontar a primeira, sendo capaz de desvendar os segredos da atriz também.
A situação culmina para uma quase fusão da
personalidade das duas personagens, o que leva a uma das cenas mais famosas do
filme e que mais carrega a influência surrealista- quando os rostos de
Elisabet e Alma se misturam formando um novo rosto. Dentro da linearidade do
filme, essa cena pode surpreender, mas ela representa a conclusão sobre a
relação das duas personagens. Ao fim do filme, vemos uma película de filme se
queimando, o que junto com a cena do começo do filme onde uma criança vê uma
imagem em uma tela e a toca, mostra outros dois elementos surrealistas, que
desta vez agem de forma metalinguística refletindo sobre a relevância e
insignificância do filme- ao mesmo tempo elevando a sua mensagem e minimizando
a obra como apenas ficção.
Junção dos rostos de Alma e Elisabet.
Cena de abertura de "Persona", cheia de elementos surrealistas.
“Persona” é um filme que consegue mostrar a influência que tira do surrealismo, usando-o para auxiliar a narrativa- quase sempre coerente- mas sem deixar de surpreender e instigar o espectador com a criatividade de suas cenas surreais.
Bibi Andersson, Ingmar Bergman e Liv Ullmann durante as gravações do filme.
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